Em fevereiro deste ano (2011), estive na Coréia. Foi a segunda vez que estive lá. A primeira aconteceu em 2009, quando apresentamos o projeto Cantos do Nosso Chão, com o Núcleo de Música do Abaçaí na ilha de Jeju. ao sul da Coreia.

Fui convidado desta vez para uma residência com jovens músicos tradicionais coreanos, junto com artistas vindos da Índia e Áustria. Nos encontramos todos em Seul, em torno de 35 pessoas.

Nos dirigimos ao sul, para a região de Jinjo, onde passaríamos cinco dias em um local criado para este fim, com quartos, refeitório e salas especiais para oficinas.

Jinjo é onde se concentram os mestres da música tradicional coreana. Já na primeira noite vamos a uma aldeia, onde alguns deles estabeleceram um pequeno centro para preservação e divulgação da sua cultura.

Realizam apresentações e convidam os visitantes a participarem. São pessoas de origem humilde: camponeses, artesãos. Mas com uma grande dignidade, beleza e orgulho pelo seu legado.

Têm uma clara noção de sua história e dos caminhos globais da cultura. Um deles relata que esta arte sempre sofreu pressão dos movimentos de fora. Primeiro o Japão e depois a indústria cultural ocidental.

O governo coreano passou a valorizá-la quando ao organizar a olimpíada de Seul (em 1988), se deu conta que não tinha nada próprio para mostrar ao mundo, e por isso decidiram a difundi-la e a se preocupar com a sua preservação.

De todas as formas é uma arte quase marginal, em seu próprio país. Baseada principalmente no universo dos xamãs – sofre uma resistência da igreja evangélica, professada por algo em torno de 50% da população.

É também vítima do projeto de desenvolvimento por que passa a Coreia, cuja população se mostra cada vez mais atraída pela cultura ocidental.

A organização das cidades também reflete esta opção. São infinitos prédios que se espalham por subúrbios e cidades periféricas, e ao longo das estradas vamos encontrando nuvens destes condomínios com 50, 60 edifícios iguais. E na mesma quantidade os vemos em construção.

O centro de Seul parece ser um dos poucos lugares que ainda preserva a arquitetura tradicional. Mescladas as avenidas modernas, inúmeras ruas têm ainda o clima que esperamos encontrar nestes lugares: pequenos restaurantes, templos, casas antigas, barracas de comida nas ruas.

O hotel onde fiquei em Seul, está localizado ao lado de um grande templo budista. A visita a este templo é um dos momentos mais significativos desta viagem.

Mas voltando à música – ela tem um ritmo complexo. Fortes cantos e uma boa dose de improvisação. Descobri um pouco dessa música a partir de um documentário realizado por uma musicista australiana, Emma Franz, que acompanhou em sua jornada um baterista, também da Austrália, que sai em busca de um mestre desta tradição, que havia escutado em uma gravação e que o havia fascinado.

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Este documentário – Intangible Asset nº 82 – foi apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2008, e foi uma revelação para mim, de um universo musical desconhecido.

Neste encontro a presença de jovens instrumentistas locais, todos com excelente nível. E também os músicos da Áustria e Índia. Temos assim ingredientes bastante interessantes para uma boa mistura. E é o que acontece. Formamos 4 grupos, cada um coordenado por um dos estrangeiros. Os próprios jovens coreanos escolhem em qual grupo querem ficar. O que funciona bem. Em meu, 5 músicos com os quais crio de imediato a maior conexão. Passamos dias de harmonia, com trocas e descobertas mútuas.

Mais duas visitas aos mestres tradicionais acrescentam muito a este encontro. São bem humorados; dançam muito e ficam enchendo nosso copo a cada 5 minutos. Não tenho dúvida que querem saber o limite da nossa sobriedade; mas é tudo muito alegre, generoso. Poucas vezes me senti tão em casa em algum lugar.

Sofro um pouco com a alimentação no café da manhã, pois na Coréia, as três refeições diárias são iguais. Muita carne, arroz feijão… Não desce. E pão nem sempre tem. Quando descobrem que tenho este hábito, no fim da estadia, me compram quilos de pão. São anfitriões preocupados. Mas a comida local é muito diversa e para mim saborosa – desta forma funciona no almoço e jantar – um tanto apimentada, mas com imensa variedade de verduras e legumes.

Na volta a Seul, paramos em uma cidade vizinha e nos apresentamos em um centro cultural local. Neste espaço se junta a nós um grande músico – e alguns bailarinos da dança contemporânea, que improvisam em cada uma das apresentações.

E em Seul voltamos a nos apresentar em um centro cultural, o resultado desta residência. No jantar de despedida , muito afeto trocado entre todos, regados a soju, a bebida de soja local com um teor razoável de álcool. Vamos até alta madrugada.

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No dia seguinte, no aeroporto , a caminho de Recife, inundam a minha caixa postal e facebook com mensagens de afeto e relatos da nossa experiência.

Difícil pensar em algo mais valioso.