Estou a caminho da República Dominicana – Santo Domingo, para um encontro da ADIMI – Associação para o Desenvolvimento da Indústria da Música Ibero-Americana.

E como, na maior parte das vezes em que fui para América Central, e outras ao norte da América do Sul, o vôo que embarco passa pelo aeroporto do Panamá, aonde a Copa Airlines faz escala e distribuí vôos para todo o continente. É de fato um hub. Das outras vezes fiz diretamente a conexão e a minha única experiência na cidade panamenha foi o próprio aeroporto, que é um razoável shopping center, e que aproveita o trânsito frenético de passageiros, e a ilusão latino-americana de a preços razoáveis, comprar, comprar, comprar…

Assim, sempre ficou o desejo de conhecer a cidade que, a cada vez contemplo do avião na chegada, com seus inúmeros prédios na costa, e que lhe dá ao menos de cima, a impressão de um centro cosmopolita. Somado àquela sensação de estar preso no aeroporto, o que de certa forma nunca é agradável: Aquele sentimento de não lugar que estas situações provocam.

Por conta disto, desta vez planejei a permanência de um dia na cidade.

Fiz a reserva de acomodação pela internet e descubro um dia antes que o hotel que havia reservado com uma semana de antecedência, não ficava exatamente no centro, como dizia o site da agência – e sim a meio caminho entre o aeroporto e o centro – o que não foi de todo mal -, e ao lado de um grande shopping center (realmente grande).

E creio que a shopping centers se vai principalmente resumir a minha experiência na cidade.

Já no aeroporto fica claro que é necessário negociar o preço do taxi; ônibus ninguém recomenda quando se está com mala. São daquelas jardineiras, com pouco espaço para se locomover.

Chego no hotel às 10 da manhã – minha reserva não está -, mas dão um jeito. Descubro que há uma taxa obrigatória de 10%. E assim vai se passando a minha vivência aqui… De um aplique a outro.

Como sempre, animado e curioso, quero ir ao centro. Pergunto à recepcionista do hotel que lugar ela me recomenda para saltar do taxi, assim que chegasse ao centro. Claro que me recomenda um shopping; pego o taxi e novamente tenho que negociar o preço, pois não há taxímetros em nenhum veículo. Cá entre nós como turista de um dia em um lugar aonde nunca estive, não é uma tarefa fácil; cada um fala o que quer. Digo ao motorista que me leva, que tenho a sensação de que todos querem te passar a perna. Ele sorri e depois conta de sua experiência na igreja evangélica e fico pensando que um dos atrativos desta corrente é o seu pragmatismo. Jesus e ganhar um tostões a mais , não parecem estar necessariamente em contradição…

O trânsito é intenso a cada mudança de rota encontramos um novo engarrafamento – a vantagem do preço fixo, é que você não acha que o cara de novo, está te enrolando. Bem chegamos ao centro, uns 10 a 15 km de onde estava. E aí começo a perceber a dimensão do drama. Há uma construção desenfreada de grandes edifícios, de 40 a 60 andares, na beira do mar. Mas são tantos e tão próximos uns dos outros, que acabam criando uma zona escura entre si… Fico imaginando o sujeito comprando um apartamento no 50º andar, na frente da praia, e tendo que acender as luzes durante o dia. Claro são apenas alguns; mas dá para prever o desenvolvimento desta estória.

Pouca gente caminhando, muitos carros nas ruas. Já vi isto antes… Miami, Los Angeles e fica aquela sensação do que significa uma relação tão próxima e dependente dos EUA. Em algumas conversas vou compreendendo todo o processo. O povo mais humilde sendo empurrado para fora da cidade, criando espaços para estas construções, que são de um mau gosto atroz. De fato não há limite. Causar esta impressão pra quem vem de São Paulo, não é pouco. Se há algo em desenvolvimento é esta horrível concepção de arquitetura, que vai misturando tudo em medidas mais que improváveis e colocando como acabamento final, algo ainda mais feio.

Fico buscando o centro antigo – se de fato há um -, e o encontro o El Casco Viejo. É um lugar bonito, mas em grande parte abandonado. É onde fica o palácio presidencial, e claro, por ali não se pode passar. A velha e distante oligarquia latino-americana…

Me lembrou um pouco o Pelourinho em Salvador. O lugar é autêntico, mas dentro das casas antigas, sorveterias, restaurantes, e um certo descuido em volta. Não parece haver um uso real daquele espaço. Andando na cidade descubro que é possível fazer corridas de taxi por 2 reais, algo um tanto surpreendente, e que o trajeto que fiz até lá, poderia ter saído pela metade, se eu não fosse um turista. Falo espanhol, acho que bastante bem, mas claro, há o sotaque.

A caminho do centro antigo, passo por um mercado de peixes com barracas especializadas em ceviche. Um de corvina – peixe local -, fresco, que chega em barcos ali mesmo, custa 1 dólar. No panamá, o dólar é a moeda corrente; a não ser centavos, que é em moeda local. O ceviche, pra quem nunca comeu, é uma espécie de sashimi latino com limão e é, para o meu gosto, incrivelmente bom.

Fim de tarde volto para o hotel e vou ao shopping; ele é imenso, com umas 300 lojas. E aí a mediocridade dos nossos tempos aparece com toda a sua pompa e clareza. Parece que todas as lojas vendem a mesma coisa: roupas de grifes americanas, eletrônicos, das mesmas marcas e quase tudo made in china. O complexo de cinemas exibem em suas 10 salas – apenas 3 filmes, todos americanos, claro…Termino por descobrir uma liquidação de camisetas – cada uma por 1 dólar, made in honduras. Comprei várias, pois nunca encontro nas outras lojas algo que me atraia. Fico pensando que a minha estética nestes tempos está saindo por pouco, e apenas uma loja de eletrônicos tem algo de música – CDs , DVDs. Ccompro o novo CD/DVD de Ruben Blades – o grande cantor panamenho, e isto me basta para eu ficar mais contente. Nada como adaptar as expectativas.

Bem no dia seguinte já no aeroporto a caminho de Santo Domingo, naquele aeroporto-shopping, e querendo comprar um adaptador de tomada além de um HD externo, me deparo com uma realidade, para mim ainda mais desconcertante: entro de loja em loja à procura dos melhores preços e marcas, e percebo que todas trabalham com os mesmos produtos e preços; e descubro que são na verdade uma mesma loja, com diferentes nomes e decorações, e não para por aí.

Vou à praça de alimentação, aonde várias marcas convivem – comida chinesa, japonesa, hambúrguer, natural etc, e descubro que todo o andar também pertence a apenas uma empresa, e me vem a mente um documentário que assisti recentemente, o Food INC – Comida SA, realizado nos EUA, e que denuncia o estado da alimentação naquele país. Descobrimos que naqueles imensos supermercados americanos, com milhares de opções, 6 a 8 empresas são as fabricantes de toda esta produção. E que por trás das embalagens mais diversas e coloridas, a composição alimentar se diferencia muito pouco, basicamente amido e milho geneticamente modificado. Há 50 anos atrás eram mais de 100 fabricantes.

Ou seja, que brilhante percurso realizado por este capitalismo, com seu discurso de livre competição e oportunidade para todos! Li recentemente algo que fez muito sentido:que o próprio capitalismo foi muito hábil em se associar com a democracia. Na verdade, nada mais distante aqui no Panamá, não há uma guerra. Pelo contrário – há um certo entusiasmo pelo momento, que é de desenvolvimento econômico. E fico com estes pensamentos, de quanto o foco na economia terminou por empobrecer as outras áreas da atividade humana, e quanto limita a própria experiência humana. Pode soar um tanto amargo e talvez 68, mas é o que sinto: um esvaziamento de muitos aspectos fundamentais que poderiam possibilitar um contato mais profundo com aquilo que é a vida.